Crônica: Dos encontros que a Bienal me proporcionou, de Flavia Kaiser
Minha participação na Bienal do Livro do Rio foi curta. Expus meu romance (Prece de pescador, Editora Pedregulho) no estande do Escreva, Garota! no domingo dia 3 e na segunda dia 4 de setembro. Domingo foi meu grande dia, lançamento do meu livro, muito movimento e presença forte do meu público alvo, e um sucesso considerável de vendas.
Já a segunda-feira entregou um tipo de experiência bem diferente. Cheguei ao Pavilhão Verde de manhã, disputando a passagem com milhares de alunos de muitas escolas do estado do Rio. As crianças e adolescentes inundaram os corredores de todos os pavilhões, munidos de seus vale-livros, fazendo algazarra e explorando os estandes. Ouvi de algumas companheiras cariocas sobre suas melhores lembranças da Bienal, quando também participaram com seus uniformes e mochilas. Me deu um quentinho no coração. Aproveitei para ir atrás de itens da minha interminável lista de desejos.
Enquanto estava exibindo meu lindo livro no estande, pensando que dificilmente alguma criança se interessaria pelo meu enredo, notei um grupo de meninas adolescentes que vinha em nossa direção. Elas riam, como adolescentes têm essa invejável capacidade de achar graça de tudo, e trocavam confidências ao pé do ouvido umas das outras, e exalavam um frescor de vida que só mesmo os adolescentes possuem, e eu, que já tendo chegado à meia-idade, classifico como lindo tudo aquilo que caracteriza a juventude, não pude deixar de sorrir para elas, como se dissesse, Quanta beleza!
Minha colega de estande acompanhava a cena. O livro dela, auto-publicado, tem uma capa azulzinha e sem ilustrações. Um título simples e que pouco revela sobre seu conteúdo.
Ainda assim, uma das adolescentes, desgarrando-se de seu grupo, veio direto para nossa banca e nos cumprimentou, enquanto folheava uma cópia do livro azul.
Tinha dezesseis anos, contou dos planos de estudar arquitetura ou moda na universidade. Confessou seu amor pela literatura e a vontade de ler mais, compartilhou alguns livros preferidos, sempre com um sorriso no rosto. Perguntou sobre o que tratava a história, e minha colega explicou que era uma autoficção, em que ela, em capítulos curtos, relatava fatos da vida de uma personagem da infância à terceira idade. Aproveitei pra me meter na conversa, reforçando que textos mais concisos dariam motivação para ela fortalecer o hábito da leitura, e que por isso o livro da minha colega era uma excelente opção.
Convencida, ela jogou sua última cartada, depois de ter arrebatado nossos corações maternais. Tá quanto? A autora respondeu, Quarenta. Da adolescente veio um suspiro. Faz por trinta? Eu e minha colega demos uma risadinha. Claro!, foi a resposta. Pulinhos de alegria e a menina tira da bolsa o cartão vale-livros distribuído pela prefeitura.
Ô, querida. Infelizmente esse tipo de pagamento não aceitamos, somos independentes da organização da Bienal, e apenas alugamos esse estande por algumas horas. A menina não disfarçou o olhar decepcionado, Pôxa, jura? Eu queria tanto…
Um silêncio desconfortável se impôs entre nós três. Puxei a menina pela mão e mostrei a ela a enorme variedade de livros nas prateleiras do estande, que ela poderia adquirir com o cartão. Mas minha voz entusiasmada não ajudou, e ela voltou-se para a autora do livro que ela queria levar.
Se você estivesse no lugar da minha colega – concorda comigo que só havia UMA coisa a fazer? Eu sei.
Olha, eu vou te dar o livro, a autora disse. E nossa amiguinha fez aquela expressão com o olhar: Vai me dar?!, quase descrente.
A partir daí foi só felicidade. Abraços e beijos, fotos, muita emoção na hora de escrever a dedicatória.
Como é seu nome?, perguntou minha colega, caneta a postos.
Anota: meu nome é A-M-Y-L-E-E.
Amylee, meu maior e melhor encontro da Bienal.
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*Flavia Kaiser é escritora e cursa a Pós-Graduação em Escrita Criativa e Carreira Literária na LabPub. Conheça seu novo livro, Prece de pescador: https://www.lojapedregulho.com.br/prece-de-pescador