Tradutor, esse cidadão do mundo
A tradução sempre foi um ofício cercado por mitos: algo fácil, ou de menor importância, algo que qualquer pessoa estaria automaticamente apta a fazer tão logo tivesse voltado de um intercâmbio. Certo? Think again.
Recentemente a LabPub ofereceu o curso inédito Formação de tradutor de livros, um conteúdo que os tradutores Cassius Medauar, Guilherme Kroll e eu, Monique D’Orazio, exploramos durante 25 horas de aulas ao vivo.
Qual não foi nossa surpresa ao saber que a turma que nos aguardava contava com não menos do que 52 inscritos. Que responsabilidade!
Logo de início, nossa ideia era muito clara: queríamos mostrar aos alunos como era a feita a tradução editorial no dia a dia, sem abordarmos teorias de tradução muito profundas e sem traduzir como acadêmicos. Queríamos mostrar uma série de fatores que afetam e que alimentam o trabalho do tradutor de livros profissional: gente como a gente, que recebe uma encomenda de uma editora e tem que fazer aquele livro acontecer, respeitando a voz do autor, respeitando o leitor e ainda assim, criando uma obra que carrega muito do nosso repertório pessoal, da nossa vivência e da nossa criatividade.
Ao longo de dez aulas, queríamos que os alunos compreendessem que cinco pensamentos norteavam todo o conteúdo selecionado para o curso, qualquer que fosse o gênero de livros discutido:
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A tradução e o ato de traduzir: o tradutor não pode trabalhar por mera intuição e muito menos no “piloto automático”; ele precisa entender o que é o ato tradutório e que processos ele envolve;
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O papel do tradutor como mediador: o tradutor precisa entregar ao leitor o que o autor pretendia entregar, mesmo que utilize para isso recursos diferentes dos que o autor utilizou (linguísticos, culturais, etc). A mensagem tem que chegar, e o tradutor precisa ler profundamente e estar sempre no controle do sentido;
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Gêneros literários e público-alvo: os tipos de livros têm objetivos específicos; mas buscam sempre envolver o leitor – apaixoná-lo, informá-lo, diverti-lo, comovê-lo… E, para isso, cada gênero lança mão de determinados recursos que precisam ser compreendidos por quem traduz. E importantíssimo: para traduzir bem é imprescindível conhecer para quem se traduz;
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O processo editorial: o tradutor editorial está inserido na cadeia de produção do livro, então é fundamental que conheça as etapas de trabalho com o texto. Tão relevante quanto é compreender bem as expectativas da editora que contratou o serviço, pois esse briefing moldará as decisões que o tradutor vai tomar durante todo o trabalho;
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Produção de texto: traduzir é escrever, e o tradutor precisa compreender não apenas os recursos estilísticos utilizados pelo autor, mas também como empregá-los e adaptá-los quando necessário.
Se conseguimos transmitir ao menos essas ideias, então nosso curso foi um sucesso!
Um pensamento bem interessante que permeia a tradução editorial é a de que tradutores são profissionais criativos, em pé de igualdade e em parceria, com o autor que está sendo traduzido. E não está mesmo longe da verdade. Afinal, a quantidade de situações com as quais o tradutor se depara durante sua atividade e para as quais precisa encontrar soluções inovadoras são as mais variadas. Não é raro precisarmos adaptar um nome de personagem para não perdermos outros níveis de significado ou explicarmos uma referência cultural para o leitor que talvez não a conheça. E quando encontramos aquela solução genial para um problema que parecia tão intraduzível, sem dúvida nos enchemos de orgulho.
Uma ideia que eu gosto de enfatizar sempre é que o tradutor é um cidadão do mundo: tudo que o cerca pode e deve ser utilizado como recurso na hora do trabalho; dos grandes eventos históricos, ao meme da rede social.
E o recado mais importante que eu deixo para os tradutores iniciantes e os não tão iniciantes assim é que, em tradução e em idiomas, a gente nunca sabe tudo e vai continuar aprendendo e aprimorando a técnica pelo resto da vida. A receita é simples: quanto mais prática, melhor. Cada livro é um desafio novo, e traduzir com seriedade nunca é tão simples assim.
Ah, e lembrem-se que o texto nunca está pronto e que é normal sentir aquele friozinho na barriga antes de entregar. A parte boa, é que todo o esforço que colocarmos na tradução certamente será recompensado.
Monique D’Orazio é tradutora de inglês e de espanhol para o português desde 2007 e traduz especificamente livros desde 2013, em gêneros como ficção, não ficção, clássicos, literatura infantil e juvenil para editoras como Verus, Ciranda Cultural, HarperCollins Brasil, Faro Editorial, entre outras. É Bacharel em Relações Internacionais (IRI-USP, 2009), tem MBA em Book Publishing (2016) e cursa pós-graduação em revisão de textos. Tem mais de 140 livros traduzidos, dos quais 80 só infantis, e dezenas de outros revisados e preparados. Na LabPub, ministra os cursos Formação de Tradutor de Livros, Real Job – Revisor de textos e Real Job – Tradutor editorial.