O editor de Angola

By 29 de junho de 2021 Blog

O Atlântico como ponte

Tomás Camba veio ao Brasil para estudar e acabou criando aqui uma editora dedicada ao país natal, a Quitanda. Ele mesmo conta a história.

Meu nome Tomás Camba, tenho 30 anos e sou angolano. Sempre fui muito chegado à academia, aos treze anos eu já auxiliava meu tio dando aulas no cursinho que ele havia montado. Meu coração pulsava por conhecer outros lugares e fui me preparando, até que aos 20 anos, peguei minha mala rumo ao desconhecido – Brasil.

Cresci numa família muito ligada à religião, isso me motivou para que pudesse descobrir como era a vida em outros lugares. Sendo de uma família pobre, sabia que seria muito difícil ter aval para estudar fora de Angola, porque isso significava ter muito dinheiro. Sabendo desta dificuldade, eu juntava o pouquinho de dinheiro que ganhava dando aulas, uma parte servia para tratar meus documentos ( passaporte, etc ), mesmo não tendo certeza que um dia sairia de Angola, e a outra parte eu usava para passar algumas horas na lan house, escrevendo para universidades, solicitando bolsas de estudos; até que um belo dia ao abrir minha caixa de e-mail, me deparei com uma resposta positiva da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

Eu sabia que aquela era a resposta. Eles haviam me contemplado com uma bolsa parcial para o curso de teologia, foi assim que embarquei para o Brasil.

No Brasil, aproveitei a oportunidade, além de teologia, fiz especialização em economia e filosofia.

A EDITORA 

Sempre gostei de livros, mas não tinha noção do quão profunda era essa paixão, até começar a estudar teologia e viajar pelos clássicos de filosofia, teologia e literatura. Todos os anos volto para Angola, com intuito de visitar minha família, dar palestras e repartir um pouquinho com meus amigos o que tenho aprendido no Brasil. Foram nestas viagens de idas e vindas que comecei a perceber a dificuldade que os jovens angolanos têm em relação ao acesso a literatura.

Nas conversas era difícil encontrar pessoas que haviam lido ao menos um livro por ano. Percebendo essa dificuldade, resolvi começar um projeto editorial.

Com objetivo de aperfeiçoar minhas técnicas editoriais, me lancei na procura de cursos complementares que pudessem me auxiliar nessa jornada, foi zapeando daqui e dali pela internet da vida que achei o LabPub e me encantei com a proposta dos cursos.

Cerca de 90% da literatura consumida em Angola é de origem brasileira (autores nacionais e traduções). Uma das consequências disso é o encarecimento dos livros, daí a dificuldade em relação ao acesso aos mesmos.

Observando atentamente esses dados, resolvemos criar um selo editorial com objetivo de dar voz e empoderar o autor angolano. Creio que livros estrangeiros são ótimos, desde que não sirvam para uma nova colonização. No entanto é sempre bom quando nossos autores escrevem a partir da nossa realidade; isso cria uma conexão profunda com a nossa gente, nossas gírias e nossos costumes.

Foi assim que nasceu a Quitanda; num primeiro momento focado em literatura religiosa; com o passar do tempo temos percebido a necessidade da criação de outro selo editorial para literatura comum e já estamos trabalhando para isso.

UMA PALAVRA, MUITOS SENTIDOS 

Quitanda vem dialeto angolano, que significa exposição pública, multidão de conselhos ou venda de coisas frescas. Esta palavra é muito usada na língua quimbundo, falada no nordeste da Angola. Naquela região, Quitanda significa tabuleiro onde são expostos produtos alimentícios à venda e multidão de conselhos. Na maior parte do Brasil, a palavra significa pequenos estabelecimentos comerciais que expõem produtos em tabuleiros ou bancadas. Porém, em Minas Gerais Quitanda adquire um significado distinto: tudo aquilo que é servido com o café, exceto o pão, como bolos, biscoitos, roscas, broas e doces.

A Quitanda tem conexão com o popular, com o humano, com o caseiro, feito com amor e carinho, com o personalizado, com o emocional e com o próximo. Juntando todas essas qualidades, nasceu a Editora Quitanda. Estamos no Brasil, mas olhando para a África, em particular Angola. Nascemos com um desejo heroico e protagonista de conectar – inspirar a sociedade brasileira a transformar vidas – tornar acessível – relevante a literatura para a realidade Africana, em particular Angola.

Somos apaixonados por livros e cremos que livros são mais que simples amontoados de papéis. Para nós, eles precisam ter beleza, bom conteúdo e devem propor transformação social.

Queremos empoderar autores angolanos e torná-los conhecidos fora do contexto angolano, cremos que a literatura africana pode em muito contribuir para um mundo melhor.

Dentre os nossos projetos com a Quitanda e com selo em criação, destacam-se as reformas de escolas infantis (você pode nos ajudar doando para esse projeto) criação de bibliotecas em escolas e casas de acolhimento com intuito de facilitar o acesso a literatura a crianças, jovens e adolescentes.

A produção de insumos gráficos em angola é escassa, imprimir um livro no Brasil, acaba sendo melhor no quesito qualidade, algumas vezes até mesmo no quesito preço. Devido a essa dificuldade, estamos funcionando com escritório em São Paulo e uma filial em Luanda/Angola.

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